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Entre abelhas e o isolamento




"Entre Abelhas" é a mais nova parceria entre Ian SBF e Fábio Porchat, ambos conhecidos por seus trabalhos no canal "Porta dos Fundos" no YouTube. O longa, que teve seu roteiro trabalhado por dez anos, chegou aos cinemas brasileiros carregando consigo uma campanha de marketing e data de estreia igualmente equivocadas (texto sobre isso em breve).

O filme tem início mostrando Bruno (Porchat) em uma boate qualquer, cercado por seus amigos, bebidas e mulheres desconhecidas na sua "despedida de casado". Seu olhar vazio deixa bem claro que sua mente está bem longe daquela suposta comemoração. Voltando a morar com sua mãe (Irene Ravache), Bruno tenta seguir em frente, até que certo dia, coisas estranhas acontecem a ele: o taxista some no meio do percurso, um skate andando e fazendo curvas sozinho, um ônibus parando em pontos sem ninguém descer. As pessoas ao redor de Bruno estão começando a desaparecer.




Embora conhecidos por suas parcerias na área humorística, SBF e Porchat impõem um tom dramático à narrativa, mostrando Bruno como um sujeito deprimido e que sempre parece deslocado nos ambientes em que está. Essa caracterização básica do personagem não funcionaria se Porchat não nos apresentasse uma performance controlada (em 99% do filme, no caso), sem os trejeitos histéricos que apresentou em seus outros trabalhos. Claro, estamos falando de "comédias" como "Meu Passado Me Condena - O Filme" e dos vídeos do já citado "Porta dos Fundos", mas nada impediria o uso do piloto automático nesse caso, dando o que o publico conhece e gosta. Aliás, o que recebemos aqui é um Fábio Porchat que não lembra em nada sua persona conhecida pelo público, o que é extremamente importante para que possamos acompanhar a história sem problemas.

Junto ao trabalho sóbrio de Porchat, o tom da história é reforçado pela fotografia de Alexandre Ramos e a paleta de cores frias e de baixa saturação (digo "baixa" porque existem momentos durante a projeção que vemos a cor vermelha sendo destacada, como se não tivesse sentido a influência do tom do filme). O filme leva consigo a frieza dos dias de Bruno do primeiro ao último plano de modo acertado.

Isso não significa, que o filme não tenha seus momentos cômicos. Usando sua premissa absurda para criar situações que provavelmente podem arrancar algumas risadas dos espectadores, o filme ainda conta com o personagem do melhor amigo de Bruno, Davi (Marcos Veras), responsável por tentar alegrar o amigo (e colega de trabalho) a base de bebidas e mulheres, além da interação entre Bruno e sua mãe, que funciona perfeitamente durante toda a narrativa, principalmente por causa dos diálogos com os quais muitas pessoas podem se relacionar. Esses fatores mostram-se constantes durante os breves 99 minutos de projeção. E, se em certos momentos a graça se baseia nos diálogos e situações geradas pelo problema de Bruno, em outros, a graça vem da vergonha alheia, principalmente nos momentos em que abandonamos o ponta de vista de Bruno para olhar o que realmente está acontecendo.




Outro ponto positivo é a decisão do roteiro de não se transformar em uma jornada de autoconhecimento envolvendo o protagonista, uma vez que nunca temos uma explicação para o divórcio de Bruno, nem para o seu problema. Se por um lado a trama não quer oferecer explicações, as questões levantadas são seu verdadeiro trunfo. Mesmo não estando em depressão, será que enxergamos o mundo ao redor? Não apenas desconhecidos na rua, mas também amigos próximos e parentes. Ou ficamos tão dentro de nossas bolhas a ponto do mundo passar por nós como apenas um grande centro de figuração?

Infelizmente, o longa não está livre de problemas. A alternância entre o humor e o drama, embora necessários para deixar o filme com mais leveza e fluidez, não funciona o tempo todo, como nos primeiros momentos em que Bruno depara-se com seu problema. Lembra dos 99% de performance controlada do Porchat? Então. Nessas cenas encontra-se o 1% perdido. O momento onde ele abandonou a sobriedade e seguiu a escola Nicolas Cage de chiliques. Além disso, o filme parece não demonstrar nenhum interesse em mostrar o que aconteceu depois de uma cena (maiores descrições podem ser classificar isso como spoiler), que supostamente poderia trazer graves consequências, fazendo com que a sequência parecesse fora de lugar, mesmo podendo ter sido o ponto de virada para a trama, mostrando que aquelas situações causadas pela "doença" de Bruno não são apenas para efeito cômico, mas que, em certas circunstâncias, podem ser mais graves. Aliás, é estranho a decisão de não mostrar a gravidade nesse caso, mas apresentá-la de modo acertado em outro momento da projeção, numa cena que teve sua preparação construída com uma sutileza incrível.

O longa pode não ser perfeito, porém é cheio de escolhas acertadas e demonstra uma interpretação realmente cativante de Porchat. Esses dois (aparentemente pequenos) fatores são o suficiente para fazer o dinheiro do ingresso valer a pena. 

Nota: 4/5

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